Precatórios – Mais Pedaladas? Não, Soluções (via Infraestrutura e outras)

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São Paulo, 29/09/2016 – Al Capone foi preso por sonegação fiscal, enquanto homicídios, extorsão, sequestros, contrabando, etc, continuaram sendo investigados. Fernando Collor acabou renunciando pela aquisição não-explicada de um automóvel Fiat Elba. Bill Clinton quase sofreu impeachment por ato impróprio com uma estagiária. Pedaladas fiscais de alguns bilhões de reais deram origem ao impeachment recente da Presidente Dilma, com 54 milhões de votos.

O que dizer sobre as gigantescas pedaladas fiscais no pagamento de dívidas judiciais públicas reconhecidas no Judiciário? São no mínimo R$ 100 bilhões em inadimplência, rolados por 8 anos em 1.988, mais 10 anos em 2.000, mais 15 em 2.009, pedaladas recorrentes consideradas ferramenta inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2.013! Precatórios, quando contabilizados, o são por valores inferiores ao real atualizado (balanços públicos “criativos” merecem impeachment ou não?).

Os profetas do apocalipse, “black blocs” da inadimplência e incompetentes dizem desde sempre que não existem soluções (mesmo discurso dos antigos defensores do calote da dívida externa, renegociada e performada com sucesso, via emissão dos famosos títulos “Bradies”), mas o próprio STF determinou, num primeiro momento, conforme voto vencedor do Min. Luiz Fux na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 4357:

“A manutenção do regime criado pela EC 62/09, inclusive quanto a precatórios expedidos após a decisão do Supremo Tribunal Federal, ocorrerá apenas e tão somente até o final do exercício financeiro de 2.015, período suficiente para que os gestores públicos, em parceria com a sociedade civil, busquem soluções alternativas e constitucionalmente válidas para a problemática dos precatórios no Brasil, como já vem sendo noticiado nos autos pela Ordem dos Advogados do Brasil (a) a reestruturação a longo prazo de todas as dívidas judiciais públicas (estaduais e municipais), necessariamente com o aval da União ou emissão de papéis federais em substituição (federalização dos precatórios conforme o Par. 16 do Art. Art. 100, CF)> (b) Reversão integral, para pagamento de precatórios, dos recursos decorrentes da revisão das dívidas de Estados/Municípios com a União, enquanto perdurar o estoque de precatórios; (c) consolidar a compensação tributária de dívida com precatórios, como já o fez o Estado do Rio de Janeiro; (d) aceitar o precatório como “moeda” para pagamento de financiamentos da casa própria (programa Minha Casa, Minha Vida): (e) idem, materiais de construção (precedente em Mato Grosso); (g) Cotas de fundos imobiliários e aquisição de imóveis públicos; (h) Contribuição para aposentadoria de servidores públicos; e créditos subsidiados do BNDES e outras instituições oficiais oficiais; (i) Subscrição e integralização de ações de companhias abertas. (j) lastro de reservas técnicas de seguradoras, fundos de pensão, depósitos compulsórios de bancos, Fundo de Garantia, FAT; (k) pagamento de ações de empresas estatais, permanecendo o controle estatal, dentre outras”.
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Mas a impunidade e comodismo no Brasil não tem limites, então infelizmente o próprio STF já em “modulação” de acórdão aceitou prorrogar os pagamentos por mais 5 anos, recusados por Estados e Municípios, alegando impossibilidade de pagamento.

Para piorar a insegurança jurídica e institucional do país, dois projetos de emenda constitucional em análise no Senado (152 e 159/2015) hoje sugerem prorrogar mais uma vez pagamentos por mais 10 anos, com chances de aprovação, no cenário suprapartidário de quebradeira real de Estados e Municípios. O STF já disse que não pode, mas o Congresso insiste…

A angústia por dinheiro vivo levou agentes públicos a insistir em acessar depósitos judiciais garantidores de pagamento de processos não resolvidos. Leis estaduais nesta direção tem sido afastadas pelo Supremo Tribunal Federal, que deixa claro que Estados e Municípios não podem usar dinheiro de terceiros para pagar suas despesas. Além de censurável, esta opção tornaria o Brasil líder do primeiro programa mundial de incentivo ao litígio (ao invés de arbitragem, conciliação) e à lentidão do Poder Judiciário (quanto mais dinheiro depositado e mais anos de conflito, melhor para o caixa público…).

Discute-se também a venda da dívida ativa (idealmente “o osso”, permanecendo” o “filet” com a máquina pública…).

Idem, já com lei aprovada, o repatriamento de dinheiro privado (ou desviado do público), onde pelo menos parte poderia ser redirecionada para infraestrutura, por exemplo, com incentivos superiores ao repatriamento simples.

Mas, acreditem, as dívidas judiciais públicas ativas e passivas podem ser reestruturadas de maneira decente, eficiente e produtiva, saneando os balanços e trazendo caixa para investimentos e despesas correntes.

Antes de mais nada, o que fizeram outros países num cenário parecido?

Em muitos países, particularmente nos EUA, e ao contrário do Brasil, Estados e municípios podem ter sua “falência ou concordata” pleiteada e reconhecida em Juízo. Um plano de recuperação é então discutido e aprovado, com a concordância e aprovação de seus credores, que, via de regra, têm que aceitar perdas, alongamento de prazos e outras condicionantes. Isto já aconteceu até na cidade de Nova Iorque, que precisou reorganizar sua administração, rever contratos, inclusive de trabalho, planos de saúde e aposentadoria, cortar despesas e apresentar um plano coerente de saída da crise, com apoio e financiamento do mercado financeiro e credores.

Mais recentemente, Detroit, berço e refém da velha e poluente indústria automobilística, hoje com milhares de prédios abandonados, sem vocação produtiva definida e população declinante a passos largos. Detroit precisou ser reinventada, surgiram ideias boas, com o apoio de muitos pensadores, organizações não governamentais, o próprio mercado financeiro e muitos bilionários filantropos dispostos a investir e doar fundos. Ficou óbvio que esta enorme empreitada não merece ficar exclusivamente nas mãos dos políticos instalados no Executivo e Legislativo ou, do Judiciário, que não pode ir além de seu protagonismo constitucional. Todos, principalmente os credores, presentes e que se projetam para o futuro (aposentados) precisam participar, acreditar numa agenda positiva e boa administração.

Detroit fez e implementou um plano vitorioso de recuperação na Justiça.

Mas estamos no Brasil e qual é o cenário atual?

Estamos no pior dos mundos: o Poder Público não paga corretamente seus precatórios (dívida passiva) e, por outro lado, não cobra com eficiência a dívida ativa (em São Paulo, a maioria dos processos em andamento no Judiciário são cobranças de impostos atrasados, o que produz um efeito colateral perverso na qualidade e custo do serviço judicial!). Aqui a métrica financeira é trilhão e não bilhão.

A dívida ativa é integralmente contabilizada como boa e cobrável, para efeitos da sagrada Lei de Responsabilidade Fiscal, quando a maior parte jamais será recebida, por prescrição, falência, desaparecimento das empresas, sócios, bens, etc. Em resumo, o passivo público é subestimado e o ativo superestimado (não existe marcação “real” ou “a mercado” das contas públicas). As contas públicas não são confiáveis. Os Tribunais de Contas conhecem este cenário, passivamente.

União nem tanto, mas Estados e Municípios alegam que não podem pagar os precatórios, por falta de recursos, devido às vinculações constitucionais para educação, saúde, etc e investimentos impostergáveis em infra-estrutura. Justiça aqui seria um bem menor não-prioritário na cesta básica de valores brasileiros.

Enfim, a par da excessiva centralização de Poder e competência da União, em detrimento de Estados e Municípios, existem uma ineficiência e cultura de atrasos nos pagamentos e recebimentos públicos, o que desacredita o Judiciário, alimenta a corrupção e sinaliza uma insegurança jurídica, que inibe e encarece investimentos.

Tecnicamente, o “imbróglio” da inadimplência argentina na era Kirchner foi menos sério que o do Brasil, pois naquele caso investidores compraram voluntariamente risco dos hermanos, enquanto o nosso trata de ordens judiciais de Tribunais locais descumpridas reiteradamente.

Do lado econômico, o mundo está complicado, o Brasil talvez tenha perdido uma janela histórica de crescimento, desperdiçando tempo, dinheiro e energia com ideologia obsoleta, corrupção, burocracia, má gestão e parceiros inviáveis. Ainda assim existe um enorme interesse de investimentos internacionais no país, por seu potencial agrícola, energético, mercado local, estabilidade da moeda, paz política, juros inacreditáveis (14,25 % a.a. aqui e 0.05% ou negativo na Europa e Japão) e oportunidades em infraestrutura.

De modo equivalente aos exemplos norte-americanos, um plano de recuperação judicial pode ser adaptado racionalmente a Estados e Prefeituras no Brasil (para quem não é do ramo, esta é a nova forma e nome da antiga concordata). Estabilidade, segurança jurídica e financeira são ingredientes fundamentais, pois, como diz o jornal The New York Times, “ninguém quer ou vai financiar mais desmando administrativo e brigas judiciais”.

Uma opção óbvia lembrada pelo Ministro Fux e já praticada em muitas jurisdições (o Estado do Rio de Janeiro é o exemplo mais representativo) é um programa de compensação tributária: precatórios pagando dívida ativa. Bilhões foram saneados no ativo e passivo, criando-se um mercado secundário de precatórios.

Outra possibilidade é o “swap” (troca) voluntário ou não, modulada para pequenos credores alimentares e grandes credores, de precatórios por títulos federais ou, alternativamente, estaduais/municipais garantidos pela União, que estaria protegida de “default” pelos repasses constitucionais para estados e municípios.

Credores por serviços, obras, desapropriações (correntes, ainda fora do ambiente judicial) poderiam aceitar dívida ativa como pagamento, com a opção de terceirizar a cobrança ou revender os ativos.

Outras possibilidades de utilização ou pagamento com a moeda “precatório”: Imóveis ociosos; participações em empresas estatais; planos de aposentadoria e casa própria; financiamentos de bancos estatais (BNDEs, CEF, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, BASA, BANRISUL, etc);; projetos de educação, meio-ambiente (empresas de saneamento, investimentos em Parques, p. ex.) e tecnologia; outorgas de concessões; garantias em concorrências, etc.

A opção infraestrutura merece mais um espaço importante:

Pode-se estimular que os credores de precatórios invistam seus legítimos créditos voluntariamente em projetos de infraestrutura, como uma livre opção de saída deste imbróglio. A premissa básica fundamental é a entrada em campo do Governo Federal, único ente público ainda com crédito nos mercados internacional e nacional, em volumes expressivos, e que poderia garantir a reestruturação das dívidas de precatórios estaduais e municipais.

Títulos federais competitivos no mercado poderiam ser emitidos para substituir precatórios estaduais e municipais. A União, novo credor de estados e municípios, renegociaria os termos e condições das dívidas com os devedores (velha e justa reivindicação de estados e municípios) garantida pelos repasses constitucionais. Os precatoristas, agora com novos papéis, mesmo de longo prazo (20/30 anos), poderiam vendê-los no mercado financeiro, com deságios civilizados ou, alternativamente, capitalizá-los (com incentivos tributários, por exemplo) em fundos de infraestrutura, ficando com quotas desses fundos, monetizáveis em mercado secundário de papéis para fundos de pensão e outros investidores de longo prazo.

O chamado “fresh money”, ou seja, dinheiro novo e de curto prazo, viria sempre do mercado financeiro privado para comprar os precatórios reestruturados dos fundos, que investiriam em infraestrutura. Estados e municípios poderiam pagar sua dívida atual de precatórios em 20 ou 30 anos, com alívio em seu fluxo de caixa (repita-se o pagamento de contribuição para aposentadoria com precatórios), e recebendo investimento voluntário privado em infraestrutura.

Os percentuais mensais de receita líquida de Estados e Municípios hoje depositados nos Tribunais para pagamento de precatórios poderia ir diretamente para a União, garantidora desta nova situação.

Parece e é um ganha-ganha para todos os envolvidos, mas evidentemente existem questões culturais e ideológicas a serem vencidas, a começar pelos adoradores xiitas do Estado, cuja fé supera a realidade de inadimplência, má gerência e favorecimentos políticos. Operacionalmente, e para qualquer solução nova ou velha, precisam surgir listagens confiáveis de credores, o valor exato de seus créditos, uma vez que muitas questões tormentosas sobre critérios de atualização monetária, datas e percentuais de juros ainda não foram solucionadas pelo STF. Nada que não possa ser resolvido com muito trabalho, mediação judicial e experiência.

As idéias aqui expostas tem um precedente emblemático, que já criou uma “jurisprudência”: os TDA’s (Títulos da Dívida Agrária), emitidos para pagamento em desapropriações judiciais para reforma agrária. Nada mais parecido com os precatórios. O mercado de TDA’s no passado era desorganizado, repleto de fraudes, falsificações, nenhum controle sobre cessões, penhoras, enfim algo selvagem e descontrolado. O governo federal contratou o CETIP que deu ordem na casa, e hoje os TDA’s são um mercado absolutamente transparente, digital, confiável. A confusão acabou.

As restrições financeiras, o consenso sobre responsabilidade fiscal, transparência, agilização do Judiciário, exigem medidas corajosas. Se houver necessidade de nova legislação, lembremos que para renovar “calotes” (no caso dos precatórios) a própria Constituição foi alterada 3 vezes. Para fazer o bem isto também poderia acontecer: Como já dito acima, o governo pode baixar Medida Provisória, amparada na Constituição (Art. 100, Parágrafo 16).

Credores e devedores podem e devem ser aliados e até sócios, exigindo a intervenção e garantias da União para reestruturação (e nunca assunção pura e simples dos riscos de crédito).

Nada de novo no mundo: a mídia informa nestes dias que “credor pode se tornar sócio da Samarco”; detentores de FGTS utilizaram no passado parte do saldo para subscrever ações da Vale; “medida provisória prevê que recursos de outorgas pagas para renovação de contrato sejam usados para tirar do papel obras pontuais como o Ferroanel”.

Outras “moedas” hoje escondidas no armário das contas públicas que poderiam ser vitalizadas e securitizadas na direção de infraestrutura: FCVS – Fundo de Compensação de Variação Salarial; créditos-premio de exportação; Transferência do Direito de Construir.

Os operadores do Direito precisam ter a humildade e sabedoria de reconhecer que fizeram e muito bem seu trabalho até o STF para espancar a ferramenta “moratória judicial”, mas o problema chegou ao ciclo econômico-financeiro. É hora de especialistas em reestruturação de dívidas públicas (funding, juros, prazos e atualização, segurança operacional em mercados de títulos) entrar em campo .

Credores e devedores podem e precisam negociar de boa fé e implementar soluções, sem judicializar mais uma vez temas de economia e finanças. O Diário Oficial da União, do Congresso ou da Justiça não alteram leis básicas da Economia, isoladamente não reestruturam nem fornecerão créditos idealmente privados aos devedores públicos. Segurança jurídica e confiança em um país não aparecem com a caneta dos poderosos, discursos e promessas.

Lembremos que os Constituintes de 1.988 pensaram até em garantia estatal da “felicidade das pessoas” (algo felizmente não aprovado) mas efetivamente fixaram juros máximos de 12% ao ano, contrariando as leis de oferta e procura de crédito (algo nunca regulamentado, por sua extravagância).

Não existe crise insolúvel no mundo de precatórios e sim oportunidade de soluções macro, técnicas, profissionais, do tema, com a participação efetiva de todos os interessados, inclusive e especialmente dos legítimos credores, do mercado provedor de fundos e dos pagadores de impostos.

Dr. Flávio Brando – Advogado

1 Comentário

  1. Uma das raizes profundas da corrupção é a psicopatia que conduz a reforma da previdência inserida no âmbito da seguridade social donde bilhões são desviados somente com o programa do Bolsa Família, sem prejuízo da subtração mensal de 30% dos recursos a ela pertencentes por meio da DRU. Se a previdência está falindo por que cargas d’aguas continuam desviando os seus recursos. Para sanar os 170 bilhões de déficit público o governo está patrocinando uma PEC que congela as despesas públicas pelos próximos 20 anos com base em uma bola de cristal. Se esse déficit resultou do descumprimento sistemático e programado da LOA e da LRF como é possível supor que uma simkples emenda terá o condão de levar ao cumprimento de suas normas? O instrumento normativo mais pisoteado nos últimos anos chama-se Constituição Federal. Essas providências legislativas para combater o mal que resultou do descumprimentos de preceitos legais e constitucionais é sinal indicativo de que o governo nada pretende mudar o hábito de gastar sem limites. Para conter as despesa não é preciso uma emenda, bastando simplesmente cumprir as leis em vigor que asseguram suficientemente a saúde financeiro do Estado. Ao invés de legislar é preciso botar a mão na massa e começar a trabalhar na legalidade.

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