Um novo tempo nas relações com os agentes do Estado

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Empresas precisam conhecer melhor as leis de licitação e dar mais atenção aos detalhes dos contratos antes de encaminhar pleitos em contratações públicas

Por Daniel Paglia* e Rubens de Almeida**

A maioria concorda que a democracia tem vantagens em relação a todas as outras formas de governo já inventadas porque, a cada eleição abrem-se as chances para que a sociedade melhore o desempenho dos sistemas legais que sustentam os relacionamentos entre governantes e governados, dando equilíbrio à evolução das sociedades e países.

E o intuito dessa melhora de desempenho, pelo menos nos discursos dos candidatos, quase sempre refere-se à disposição de eliminar vícios – o que inclui a assustadora “corrupção” – decorrentes da interação errônea entre as empresas e os representantes dos governos nas operações produtivas e executivas que envolvem o Poder Público, geralmente vinculadas às mal afamadas – embora essenciais – licitações de compra de produtos e serviços pelos agentes do Estado junto à sociedade, nos vários níveis de governo.

A promessa de acabar com a corrupção e com a ineficiência, porém, esbarra e é frustrada, muitas vezes, pela má condução desses relacionamentos. De um lado está quem oferece seus serviços e os vende a várias instâncias do poder público – e do outro, os diversos agentes públicos envolvidos no controle daquele processo, através da fiscalização técnica, administrativa ou ainda pela realização de procedimentos internos.

Além disso, o processo de compras público é burocrático, dada a necessidade de publicação de editais, documentos técnicos completos, do atendimento aos princípios constitucionais e outras picuinhas da legislação. Esses detalhes, quando não favoráveis a uma das partes, fazem com que imediatamente se rotulem mutuamente como corruptos, supostamente seguindo a lógica que ficou conhecida como “oferecer dificuldades para vender facilidades”. Na maioria dos casos, essas exigências, procedimentos e rituais são realizados pelo simples fato de todos os envolvidos terem a obrigação de cumprir a Lei.

Ocorre que na maioria das vezes, as reclamações, pleitos ou reivindicações por parte das empresas que participam e ganham os certames de licitação, são negados exatamente por estes agentes desconhecerem totalmente a Lei que deveriam cumprir, já que aceitaram as regras do jogo quando aderiram ao processo licitatório.

Por isso, com base em muitos anos de observação e experiências vividas nos meandros desses processos de contratação de produtos e serviços pelo poder público, especialmente os que são dirigidos à comunidade da indústria da Construção Civil – uma das mais acusadas pela sociedade de praticar desajustes importantes e significativos com o dinheiro público – está na hora de propor uma discussão séria e profunda sobre a razões originais que favorecem comportamentos indesejáveis. E promover muito mais tranquilidade e segurança para as partes nos processos licitatórios, na contratação e acompanhamento de grandes investimentos públicos em obras de transportes, infraestrutura urbana, habitações, entre muitas outras tipologias que geralmente envolvem a construção civil e pesada.

Antes de mais nada, para entender o problema é preciso despir-se das impressões de que a complexidade desses processos licitatórios e executivos de grandes obras de Engenharia em especial, é, per si, um limite que impede que as coisas sejam feitas como deveriam ser. É absolutamente errado pensar que a regra da contratação de grandes empreendimentos seja deixar brechas para negociações inescrupulosas entre os envolvidos, ainda mais depois que a tecnologia da informação disponibilizou ferramentas de análise de dados e informações, sem a necessidade de recorrer a soluções custosas ou inacessíveis aos agentes de fiscalização.

O fato é que atualmente, todos os profissionais de instituições públicas do país que analisam os processos de licitação e o acompanhamento de contratos em órgãos como os Tribunais de Conta, Ministério Público e Justiça têm em mãos recursos rápidos para encontrar qualquer documento ou informação detalhada em planilhas de custo e até mesmo fazer cálculos financeiros complexos sobre as decisões tomadas nos processos de contratação e produção de serviços de Engenharia. Isso quer dizer que, quando há algum desajuste de conduta do agente público ou nos pleitos do prestador de serviços, torna-se relativamente fácil encontrar as razões e justificativas que fazem sentido perante os aspectos legais. E também, aquelas que não fazem qualquer sentido e que muitas vezes são utilizadas para alcançar vantagens, seja para os prestadores de serviço ou para agentes do Estado que se desviam do que deveria ser considerado como boa conduta, regida pelo código de ética do servidor público.

Ou seja, no processo de aprimoramento da gestão dos recursos sociais na compra de serviços de Engenharia, podemos dizer que alcançamos um estágio tal que nos permite identificar perfeitamente se os embates e reivindicações entre os fornecedores privados e os órgãos públicos contratantes são ou não cortinas de fumaça para justificar benefícios para um ou ambos os lados. Ou seja, toda a documentação exigida explicita adequadamente se há ou não indícios de comportamentos inadequados.

Outro detalhe importante é que antes de existirem os recursos digitais, as referências de análise ficavam dispersas e a reunião de todas as informações para se chegar às conclusões demandavam meses de trabalho exaustivo de coleta. Hoje não. Toda a documentação está à mão da fiscalização dentro dos arquivos eletrônicos e caso haja alguma discrepância nos processos de contratação, ela se torna evidente em poucos dias. A produtividade dos órgãos de controle, portanto, tem andado mais rápido do que a adequação cultural dos setores envolvidos às novas condicionantes dos processos de compras públicas.

A consequência dessas novas condições é que no curto prazo deverão aumentar muito as negativas aos pleitos efetuados pelos prestadores de serviços para a revisão de valores, aditivos de prazo e escopo e ainda solicitações de reequilibro econômico-financeiro dos contratos. Simplesmente porque muitas dessas reivindicações dos ofertantes de serviços ao Estado carecem totalmente de consistência legal e jurídica. Para os agentes de fiscalização, tornou-se fácil essa comprovação.

Do outro lado, caso haja exigências indevidas ou exageradas pelos agentes públicos, em desacordo com as regras legais estabelecidas, os agentes dos órgãos de controle dos processos rapidamente identificarão os desajustes, com consequências muito negativas para o futuro profissional (e penal, se for o caso) dos envolvidos.

Urge, portanto, que os agentes públicos e privados envolvidos nesses processos tornem-se muito mais atentos aos detalhes legais e contratuais, para que não sejam frustrados em seus desejos – muitas vezes compreensíveis do ponto de vista empresarial, mas descabidos do ponto de vista do que está previsto no contrato ou na legislação vigente.

Isso significa que a separação que sempre existiu no mundo empresarial de que “contratos devem ser analisados pelas áreas jurídicas” e os “responsáveis pela execução dos empreendimentos não precisam conhecer os detalhes contratuais” torna-se um risco importante a ser considerado pelos empresários.

Todos os envolvidos precisam conhecer exatamente e em detalhes todas as exigências contratuais e suas referências em termos legais. Senão, o descumprimento do que já está definido pode frustrar resultados e levar as empresas ao colapso, pelo simples fato de não ter-se observado o que está estabelecido na Lei. Não tenham dúvidas, se existirem erros processuais e falhas no cumprimento da legislação, isso vai representar riscos pessoais para os agentes públicos e a administração dos órgãos de governo irá barrar todos os pleitos indevidos. Inapelavelmente. E isso não terá nada a ver com as questões, práticas ou acusações de corrupção.

*Daniel Paglia é Perito de Engenharia Civil do Ministério Público Federal, atua na Secretaria de Engenharia e Arquitetura (SEA) e é responsável por análises técnicas e de contratos de grandes empreendimentos.

**Rubens de Almeida é Engenheiro Civil e Jornalista, diretor-presidente da Gisbi (Grupo de Estudos de BigData Geográfico), especialista em processos de inovação tecnológica e comunicação.

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