‘Inflação do asfalto’ ameaça paralisar obras em rodovias

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Petrobras eleva insumo em 25% em abril, assusta empresas e põe em risco futuro de contratos

Por Daniel Rittner — De Brasília

Os dois últimos reajustes da Petrobras nos preços do asfalto ameaçam a continuidade das obras de duplicação e até de manutenção em rodovias federais, segundo empreiteiras contratadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Houve alta de 9% em janeiro e de mais 25% no dia 30 de abril.

Igualmente afetadas, operadoras de estradas concedidas também estão em estado de alerta. O aumento dos insumos é considerado pelas agências reguladoras como risco do negócio e não dá direito automático a reequilíbrio do contrato de concessão, ou seja, elas ficam impedidas de repassar esse custo adicional às tarifas de pedágio cobradas dos usuários.

A Petrobras mudou sua política de preços no início de 2018, passando a fazer reajustes trimestrais, que consideram a variação da taxa de câmbio e do petróleo no mercado internacional. Desde então, o valor do quilo de cimento asfáltico já subiu quase 140%. Nas refinarias, custa mais do que o litro do querosene de aviação ou da gasolina comum, que são combustíveis refinados.

Em carta enviada na terça-feira ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, a Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) relata “inconformidade” com o aumento dos insumos betuminosos e lembra que esses materiais representam até 40% dos custos totais em contratos de manutenção do Dnit.

Com o orçamento fortemente comprometido, após os vetos do presidente Jair Bolsonaro à lei aprovada no Congresso Nacional, a autarquia de transportes tem apenas R$ 4,2 bilhões em recursos garantidos para 2021 – praticamente um terço do montante disponível no auge do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Nos cálculos da Aneor, entre 1º de maio e 31 de julho (período de vigência da atual tabela de preços), haverá custos adicionais de R$ 250 milhões nas obras já contratadas pelo Dnit. Uma decisão judicial garantiu às empreiteiras o direito de ter seus contratos reequilibrados integralmente nesse tipo de situação, mas ninguém sabe de onde a autarquia tirará os recursos. A hipótese mais ventilada no setor é que atrase pagamentos para uma parte dos prestadores de serviços a fim de honrar os compromissos com outros.

Sem suplementação orçamentária ou recuo no valor do asfalto, a possibilidade de paralisação dos trabalhos em rodovias federais torna-se real, principalmente no segundo semestre. “Os reajustes de preços dos produtos asfálticos instituídos pela fornecedora exclusiva, a Petrobras, colocam em sério risco a continuidade das obras e serviços contratados”, afirma na carta o presidente da associação, Danniel Zveiter.

Hoje o Dnit administra 62,2 mil quilômetros de estradas – das quais 53,5 mil quilômetros são pavimentadas – e tem contratos de manutenção cobrindo um total de 91% dessa malha.

A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) também voltou suas atenções ao tema e alerta que esse não é um problema exclusivamente federal. “Essa situação de repete nos DERs [departamentos de estradas de rodagem] estaduais e em programas municipais de recapeamento”, diz o presidente da comissão de infraestrutura da CBIC, Carlos Eduardo Lima Jorge.

Em um primeiro momento, segundo o executivo, a entidade dedicou-se à tentativa de recomposição mínima do orçamento para a faixa 1 do antigo Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que foi quase zerado após os vetos de Bolsonaro. Como ele acredita que esse corte está perto de uma solução, mesmo parcial, agora o plano é colocar mais esforços nas discussões sobre os impactos da alta acumulada do asfalto. “É um monopólio da Petrobras, mas o cimento asfáltico de petróleo não chega a representar nem 2% de suas receitas. Já em um contrato de implantação [de novas pistas], responde por 40% dos custos. Em manutenção e conservação, fica entre 50% e 60% da despesa total.”

O Valor apurou que algumas construtoras já se articulam para providenciar importação de asfalto – medida considerada de baixa viabilidade econômica em circunstâncias normais. Elas estão fazendo cotações no mercado internacional para trazer de fora o insumo em formato sólido, que seria reconstituído localmente.

Se para as empreiteiras contratadas pelo Dnit há incerteza sobre o orçamento da autarquia e sua capacidade de pagar custos adicionais, as concessionárias de rodovias pedagiadas temem um desarranjo em suas contas. Elas não podem repassar os acréscimos com asfalto para as tarifas porque isso – ao contrário da queda súbita de demanda por causa da pandemia – é classificado como um risco da concessão.

Na Way 306, operadora que administra 219 quilômetros da rodovia MS-306 em Mato Grosso do Sul, o reajuste no fim da semana passada atrapalhou o planejamento. A empresa entrou no segundo do ano de contrato e está começando a fase mais intensa de obras. Havia acabado de aprovar um contrato de fornecimento de asfalto no valor de R$ 18 milhões pelos 12 meses seguintes. Foi na segunda-feira. Cinco dias depois, precisou ser renegociado e a conta passou para R$ 22,5 milhões.

“Tínhamos conseguido um preço interessante, é um asfalto ecológico, mas o peso do reajuste surpreendeu. Agora é torcer para o valor do cimento asfáltico de petróleo se estabilizar”, afirma o diretor-presidente da concessionária, Paulo Lopes. Ele acha que a Petrobras deveria repensar sua política de preços. “As agências também poderiam olhar esse fator com mais flexibilidade”, diz.

Procurado, o Ministério da Infraestrutura informou que está atento ao assunto e, por isso, “mantém um canal de conversas constantes com o Ministério de Minas e Energia e com a Petrobras em busca de alternativas para reduzir os impactos no setor”.

“Da mesma forma, também solicitou ao Dnit um levantamento sobre possíveis impactos caso se confirme o aumento no preço de insumos asfálticos, produtos fundamentais para a continuação do trabalho de excelência que vem sendo feito no incremento da infraestrutura rodoviária do Brasil”, acrescentou a assessoria da pasta.

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