Aumento de insumos pressiona contratos

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Concessionárias de rodovias e construtoras de obras públicas defendem reequilíbrio econômico

Por Daniel Rittner e Rafael Bitencourt — De Brasília

Alegando prejuízos acumulados com a recente disparada no preço dos insumos, concessionárias de rodovias e construtoras que executam obras públicas estão levando para o governo federal e para os Estados novos pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro dos seus contratos.

A lista de aumentos com forte peso no caixa das empresas é encabeçada pelo cimento asfáltico de petróleo, um dos materiais mais usados em qualquer obra em estradas, que subiu quase 80% nos últimos 18 meses. Mas a alta se espalhou para itens como aço, tubos de PVC, ligantes betuminosos, madeira, cobre e óleo diesel.

As principais entidades empresariais do setor têm em mãos pesquisas e estudos recém-concluídos para sustentar seus argumentos. Uma sondagem inédita da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), com mais de 200 empreiteiras de diferentes portes e regiões do país, detectou três pontos de atenção decorrentes da alta de insumos: impacto financeiro, ritmo de execução das obras e demissões.

De acordo com o levantamento, só 26% das construtoras conseguiram atravessar o período entre janeiro de 2021 e abril de 2022 sem cortes de pessoal. Dois terços (66,5%) afirmam ter diminuído as atividades nos canteiros e 11% chegaram a paralisar seus serviços. Pouco menos de metade (41,5%) relata prejuízo de até 40% nos contratos – déficit entre os valores recebidos de governos e os valores gastos na execução das obras públicas contratadas.

Para o presidente da Comissão de Infraestrutura da CBIC, Carlos Eduardo Lima Jorge, os aumentos “excessivos e imprevisíveis” nos preços de insumos tornam urgente uma repactuação dos contratos com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e os Estados.

A CBIC e a Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) protocolaram no Dnit um ofício pedindo formalmente, “em caráter de urgência”, uma solução para o desequilíbrio dos contratos. Elas defendem duas medidas: alteração do mês-base dos contratos e revisão na periodicidade dos reajustes.

Nas estradas pedagiadas, as reclamações vão na mesma linha. A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) contratou um estudo da Tendências Consultoria Integrada para ilustrar a “imprevisibilidade” nas variações dos preços de insumos.

Conclusão: há “descolamentos inesperados” dos padrões históricos, que decorrem de eventos alheios à oscilação dos indicadores econômicos, pelo menos desde 2015. As altas abrangem materiais como asfalto, aço galvanizado, cimento portland (usado para pavimento de concreto). Na apresentação do estudo verifica-se que, depois dos picos registrados em cada período, não há volta para os patamares anteriores.

O presidente da ABCR, Marco Aurélio Barcelos, avalia que os contratos de concessão exigem reequilíbrio econômico-financeiro porque as tarifas de pedágio – nem agora e nem com os reajustes ordinários previstos (a maioria tendo o IPCA como indexador) – são incapazes de capturar esse aumento dos insumos e comprometem o fluxo de caixa.

“Mecanismos contratuais servem para condições normais de temperatura e pressão, mas hoje há um descolamento brutal entre o preço de certos insumos e os índices inflacionários. É um período extraordinário”, diz Barcelos.

Entre o fim de maio e o início de junho, segundo ele, a associação levará à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a “fundamentação jurídica” para embasar um pedido geral de reequilíbrio. Uma vez reconhecida a tese e adotado o mecanismo, cada concessionária se incumbiria de apresentar sua própria solicitação.

A agência reguladora e o Ministério da Infraestrutura, porém, ainda não se convenceram da necessidade de repactuar os contratos. “Estamos observando um desequilíbrio inflacionário, um desequilíbrio entre oferta e demanda, mas com sinais de que pode ser uma situação pontual”, afirma o diretor-geral da ANTT, Rafael Vitale, citando a guerra na Ucrânia como um dos possíveis fatores para a alta dos insumos.

“Nada aponta que exista um evento de força maior que faça a gente olhar para os contratos e ter a necessidade de reequilibrá-los. É diferente do que ocorreu na pandemia, quando a mobilidade toda parou no país e fomos a primeira agência do mundo a elaborar uma metodologia de reequilíbrio e a aplicá-la nos contratos de rodovias”, acrescenta o diretor.

“Ainda precisamos entender a alta dos insumos. Não existe reequilíbrio preventivo. Antes precisamos perceber os impactos, ver se e como as concessões são afetadas, fazer todos os cálculos.”

De acordo com Vitale, se houver o reconhecimento pelo reequilíbrio, certamente não será algo transversal, mas caso a caso, contrato por contrato. Ele lembrou que concessões no período inicial de vigência, com investimentos mais pesados em recuperação do pavimento e duplicação de vias, tendem a sofrer mais com esse movimento de aumento dos custos.

Em entrevista recente ao Valor, o ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, adotou raciocínio semelhante e disse que o governo não pretende fazer reequilíbrio das concessões de rodovias agora. Para ele, é melhor aguardar um tempo para verificar se haverá recuo dos preços ou se eles vão chegar ao IPCA, que define os reajustes nos pedágios.

Barcelos, presidente da ABCR, contesta esse argumento. Para ele, a disparada no valor dos insumos é reflexo da desorganização das cadeias produtivas, fruto ainda da pandemia. O executivo sustenta também que, mesmo se a alta de preços chegar ao IPCA, pode haver defasagem financeira em relação às necessidades de investimentos. “O fluxo de caixa das empresas está em risco. São aumentos extraordinários e imprevisíveis. Temos que enfrentar a realidade”, insiste Barcelos.

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