Atrair capital privado é o maior desafio

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São Paulo, 26/10/2016 – O sucesso das próximas rodadas de concessões em infraestrutura dependerá da capacidade que elas terão para atrair o mercado de capitais, diante da menor participação do BNDES. Será um grande desafio, considerados o apetite dos investidores por títulos públicos, as incertezas regulatórias e financeiras e a necessidade de mudança da cultura de elaboração e execução de empreendimentos, segundo matéria publicada no Valor Econômico.

Os bancos públicos deverão responder por 80% do crédito nas primeiras rodadas, seja por empréstimos diretos, seja pela compra de até 50% das debêntures de infraestrutura lançadas para os empreendimentos. Mas ainda há dúvidas sobre a participação dos investidores privados no processo, segundo o Valor, e acredita-se que eles poderão responder por cerca de 20% dos mais de R$ 200 bilhões em obras a serem concedidas.

“Os bons projetos farão a diferença com a alocação adequada de riscos e o trinômio investimento, tarifa e rentabilidade bem equacionado”, afirma Rogério Yamashita, responsável em project finance pela cobertura de logística, PPP e saneamento do Itaú BBA. O banco fará um road show no próximo mês na Europa para visitar potenciais interessados em concessões de energia e transportes no Brasil. A licença prévia ambiental e projetos executivos bem definidos serão importantes para atrair os investidores, diz a advogada Rosane Menezes, do Madrona Law.

As debêntures de infraestrutura, que poderão responder por 10% a 20% do crédito aos empreendimentos concedidos, serão uma das opções. Hoje as debêntures de infraestrutura já lançadas desde 2012 somam menos de R$ 20 bilhões, com 10% desse total movimentado no mercado secundário.

De acordo com a matéria, mais de 70% dos papéis se referem a projetos de ampliação de empreendimentos existentes (brownfield), com menor risco de conclusão da obra. Para o sócio da BF Capital, Renato Sicupira, um dos desafios será incentivar a emissão dos projetos chamados de greenfield, que partem do zero. “Apenas um terço das emissões de infraestrutura já feitas refere-se a projetos de construção de um empreendimento a partir do zero. Aí será preciso destravar o mercado de seguros”, analisa o executivo.

O risco de conclusão da obra é maior nos projetos greenfield, o que torna a análise mais cara e complexa e cria a exigência de apresentação de garantias corporativas ou fianças bancárias. “Hoje isso leva tempo, o que consome mais o capital dos acionistas – em alguns casos, o financiamento demora tanto que é fechado quando o projeto já está na fase operacional. Temos um caso de linha de transmissão que obteve o crédito perto de se tornar operacional”, diz Samuel Santos, sócio da Upside Finance.

Outro desafio estrutural, segundo o Valor, é a demanda por esses papéis.

Hoje o apetite está restrito aos investidores pessoas físicas, que ao adquirirem os papéis, ficam isentos de Imposto de Renda (IR) nos ganhos com o capital. Já os fundos de pensão, que não têm vantagem tributária na aquisição, preferem alocar seus recursos em títulos públicos, pela alta taxa de juros, acima da meta atuarial dos gestores dos fundos, que ainda ganham sobre o valor presente desses títulos. A taxa de juros elevada, de 14% ao ano, também torna caro o custo de captação para empreendedores.

“Para captar acima do prêmio do governo, o acionista conseguirá tomar recursos a 18% ao ano, com os riscos inerentes aos projetos? Os juros são um grande problema”, diz Carlos Eduardo Lima Jorge, diretor-executivo da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop). “Os fundos de pensão têm retorno fácil sobre o investimento com títulos de longo prazo do Tesouro e não serão compradores nesse cenário”, diz um executivo de um grande banco.

Outra dúvida é o fim do empréstimo-ponte do BNDES aos acionistas de projetos, que agora terão de recorrer a fianças bancárias, o que pode encarecer em até 5% o financiamento. “Será um instrumento mais caro e que terá de ser precificado no projeto”, diz Gaétan Quintard, gerente executivo da área de project finance do BNP Paribas. “O projeto terá de ser feito de forma muito mais criteriosa e já tendo analisado os custos financeiros logo de partida, além da avaliação das licenças ambientais e estudo das garantias e do projeto executivo”, afirma Sicupira, da BF Capital, que prevê uma demora no início das obras concedidas nesse cenário financeiro.

De acordo com o Valor, hoje os empresários contam com um empréstimo-ponte para tocar as obras iniciais e depois obtêm um de longo prazo. As recentes indicações do BNDES apontam que o banco vai priorizar o financiamento de longo prazo, buscando agilizar o recebimento dos pedidos e a aprovação. “Em vez de dois empréstimos, teremos um; é um mundo novo com muitas dúvidas”, afirma Lima Jorge, da Apeop.

O modelo de financiamento a ser criado pressupõe também uma mudança de cultura na execução das obras e no planejamento do que será licitado. “Nos últimos 30 anos, vivemos uma inversão perigosa. Trocamos o planejamento pelo risco. Para os gestores públicos e as concessionárias, o ambiente de gestão de riscos permite apropriar-se deles com a cultura dos aditivos contratuais.

Para a gestão do risco mal feita, o processo atual é ótimo”, diz Paulo Resende, coordenador do núcleo de infraestrutura da Fundação Dom Cabral.

David Abreu – david.abreu@goassociados.com.br

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