O que fazer com o excedente de reservas internacionais (depois de aprovar a Pec 241)

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O Brasil acumulou volume considerável de reservas internacionais, saltando de pouco mais de US$ 50 bilhões em meados dos 2000 para os US$ 370 bilhões atuais. Isto é bom para se proteger contra crises cambiais, mas tem um custo fiscal. Os números sugerem que o Brasil tem mais reservas do que o nível ótimo. Se aplicado corretamente, o excedente de reservas pode ser útil para reforçar o ajuste da economia ao reduzir o gasto com juros da dívida e estimular o financiamento ao investimento em infraestrutura.

O rápido crescimento das reservas internacionais não foi um fenômeno exclusivo do Brasil na última década.  Outros países emergentes e exportadores de commodities também aproveitaram o período de elevada liquidez internacional e preços favoráveis das matérias-primas para acumular ativos em moeda de curso internacional.  O benefício do acúmulo de reservas internacionais é claro. Trata-se de seguro contra crises no balanço de pagamento, amortecendo os choques sobre a taxa de câmbio e o risco-país.

O caso do Brasil é emblemático. Na década de 90, pós Plano Real, o país sofreu com uma série de choques externos, dada a fragilidade de seu balanço de pagamentos. A sucessão de crises incluiu a do México, da Rússia, da Ásia e do próprio Brasil. E ainda houve um choque às vésperas da eleição do ex-presidente Lula. Em todas elas, o Brasil se encontrava vulnerável, havia fuga de capitais e forte depreciação cambial ou necessidade de ajuda do FMI. Nesse cenário de estresse, o risco-Brasil subiu para cerca de 1.500 ou até 2.000 pontos.

Em contraste, com um grande volume de reservas, tanto na crise financeira internacional de 2008/09 como na atual, a reação do mercado foi mais sutil e não houve ataque especulativo contra a moeda. Nesses episódios, o risco-Brasil aumentou, mas mal chegou à casa dos 600 pontos.

As reservas internacionais são, portanto, úteis para evitar crises de balanço de pagamento e cambiais, que em essência foram os motivos de quase todas as crises econômicas do país, com exceção da atual. Esta teve um componente totalmente diferente, que foi uma crise de alavancagem do setor privado e público. As reservas não impediram a atual crise econômica, mas não há dúvida que sem elas os efeitos poderiam ter sido devastadores.

Entretanto, como se sabe, não existe benefício sem custo. Acumular US$ 370 bilhões em reservas não sai barato, e resultou em aumento do endividamento bruto do setor público, através da expansão das chamadas operações compromissadas do Banco Central.

Para 2016, o custo de carregamento das reservas deve ser algo próximo a 2,4% do PIB, dado o diferencial de juros entre o Brasil (taxa Selic) e os EUA (Treasury bonds com maturidade de 10 anos). Para 2017, com a expectativa de queda da taxa Selic para algo próximo a 10% ao ano, deve gerar um custo menor, de 1,7% do PIB, mesmo assim bastante elevado.

Cabe, portanto, discutir se o nível atual de reservas é excessivo, ou não, para manter o país segurado contra crises externas, mas ao mesmo tempo não incorrer em um custo tão alto de carregamento.

Há várias métricas que buscam medir o nível ótimo de reservas internacionais que um país necessita para fazer frente às interrupções súbitas de fluxos de capital externo. À guisa de uma formulação teórica, é razoável tomar a razão reservas/PIB, reservas/importação de bens e serviços e reservas/dívida externa de curto prazo.

Ressalte-se que em todas estas métricas o Brasil possui mais reservas do que o recomendado. As reservas internacionais equivalem hoje a 20,8% do PIB, acima da faixa prescrita entre 10% a 15%. Ou equivalem a 16,7 meses de importações, quase seis vezes superior ao nível de segurança de três meses. E por fim, correspondem a 313,9% de nossa dívida externa de curto prazo. Uma empresa privada que mantivesse este nível de disponibilidade de caixa em um mundo de múltiplas alternativas de aplicação financeira provavelmente não hesitaria em despedir seu diretor financeiro.

O excedente de reservas varia no tempo e conforme a métrica escolhida.  Para a relação reservas/PIB, a mais conservadora, o excesso seria de cerca de US$ 92,2 bilhões; para a razão reservas/importações de US$ 303,6 bilhões e para a razão reservas/dívida externa de curto prazo, o excedente estaria na casa de US$ 252,1 bilhões.

Tome-se a métrica mais conservadora. Haveria um excedente de reservas da ordem de US$ 92 bilhões que poderia ser utilizada de forma a reforçar o ajuste da economia. Há pelo menos três aplicações que contribuem para o ajuste da economia.

Uma primeira seria quitar dívida pública, reduzindo os gastos com juros e diminuindo o déficit nominal. A segunda seria criar um fundo de hegde cambial para as empresas que tomassem recursos do exterior para financiar as obras do PPI. O excedente de reservas seria o lastro de tal fundo. Ambas propostas foram formuladas pelo economista Roberto Gianetti.

Uma terceira proposta seria a criação de um fundo soberano nacional voltado para a aplicação em debêntures de infraestrutura. O aporte do fundo nos projetos exigiria elevado padrão de governança e qualidade dos projetos. E em caso de inadimplência, a dívida seria convertida em participação nas empresas, diminuindo potenciais perdas ao fundo soberano.

Em razão das baixas taxas de juros praticadas pelos outros países, seria possível financiar projetos a taxas competitivas que remunerariam adequadamente o fundo, algo próximo ao Treasury bonds de 10 anos mais um spread corporativo, a depender do projeto.

Tal proposta tem vários precedentes internacionais como os fundos soberanos de Cingapura, China e Abu Dhabi, que possuem estratégias de aquisição de títulos de longo prazo, equities e dívidas de projetos, com rentabilidade superior ao dos títulos norte-americanos.

Há pelo menos três vantagens de uma proposta dessa natureza. Primeiro, os recursos seriam otimizados ao contrário daquilo que ocorre na atualidade. Hoje, o Brasil gasta mais do que precisa para se proteger de choques cambiais.

Segundo, do lado da oferta agregada, a aplicação em infraestrutura através de projetos privados permite reduzir o custo Brasil, removendo gargalos que retiram competitividade da economia brasileira.  O aumento da eficiência produtiva tornaria o setor tradable, em especial a indústria manufatureira, menos dependente de “competitividade espúria” mediante uma taxa depreciada de câmbio para se manter competitivo.

Tal fato reconcilia a melhora das expectativas e consequente aumento da liquidez internacional e apreciação do câmbio com um bom desempenho da economia real. O excedente de liquidez internacional é parcialmente canalizado para a redução do custo-Brasil, aumentando a capacidade de competição da economia.

Terceiro, do lado da demanda agregada, o estímulo a projetos de infraestrutura tem forte potencial de ajudar na recuperação cíclica da economia.  O fomento das obras de infraestrutura geraria uma fronteira de expansão para a atividade econômica, em uma área com elevada demanda reprimida. Isso impacta sobre a arrecadação e complementa o esforço da PEC 241 do lado da receita para obtenção de resultados primários compatíveis com a estabilização da relação dívida/PIB.

Duas considerações finais. A primeira é a de que as três alternativas de aplicações para o excedente de reservas expostas antes não são excludentes, mas complementares. Podem ser adotadas em diferentes graus, de acordo com a oportunidade de cada conjuntura para reduzir o custo da dívida e estimular o financiamento da infraestrutura.

A segunda é a de que nenhuma dessas iniciativas teria condições de prosperar em persistindo o desequilíbrio crônico das contas públicas. Assim, seu sucesso depende da aprovação, dentre outras medidas, de austeridade fiscal, da PEC 241.

Gesner Oliveira – Sócio executivo da GO Associados

Luis Fernando Castelli – Economista da GO Associados

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